domingo, 29 de abril de 2012

Melhor que explicação é execução Paulo Roberto Leandro

GENTE NOSSA - Pedro o Catador

Delaine Romano
ANGELO IERVOLINO  




Melhor que explicação é execução
Paulo Roberto Leandro*
Me sentia nada. Mergulhado nos tropeços do destino. Podem acreditar. Errei em tudo. Andava meio solto, aos trancos e atrás de barrancos. Até que um dia, aqui mesmo, tomei um chacoalhão. Veio um cara , meio metido a besta, e falou grosso com a gente. Me lembro como se fosse agora. Teve a coragem de dizer, assim sem mais, que todo mundo era "Zé". Só seria José se fosse capaz de fazer coisa grande. Na hora, digo, me deu vontade de dar uns trancos nele. Fiquei mordido. No caminho para casa me botei a pensar. Zé o caramba. Nem é meu nome. Mas acho que aprendi alguma coisa.
O Zé que não era José se chama Pedro. Pedro Mesquita, catador de lixo na zona leste de São Paulo. Cerca de 1,75 m de altura. Magro mas de braço forte como convém a quem dá duro todo dia. Sorriso expressivo mas dentes maltratados. Sem qualquer dúvida, impressionante.
     Foi só abrir os olhos, no dia seguinte, que decidi me meter numa empreita. Tanto moleque perdido nas ruas onde trabalho. Porque não estender braço e mão como, em certo dia, a sorte fez por mim?
Pedro fala com confiança. Daquelas de quem viu o capeta de frente e venceu. Quando faz seu depoimento, diante de um público que não tem detalhes de sua história pessoal, não hesita. Procura, às vezes, pela palavra. Mas não teme o conteúdo que quer revelar com ela. Veste calça jeans, usada mas limpa, sandálias do estilo franciscano, boné e muito limpo. No peito, uma camiseta verde e amarela, daquelas que remetem à seleção. Pentacampeão é ele que se safou de tantas.
     Decidi. Tem que tirar a molecada da rua, das drogas. Dane-se que é um terreno numa área que passa energia da Eletropaulo. Só tem lixo aí mesmo. De lixo, entendo. É só limpar e montar um campinho de futebol. Aí junta todo mundo.
     Nem demorou muito. O campinho do Pedro chegou a somar quase cinquenta garotos. Foi além da bola. Virou café, lanche e brincadeira em grupo. Fim de semana não tem sossego. Perto das sete a turma chega na porta da casa do Pedro e grita por ele. Só dá paz depois do café e durante a pelada.
     Agora sou José. Zé acabou. Parei de me sentir feito burro, só olhando para a frente enquanto puxava carroça. Passei a enxergar também dos lados. Para quem é como eu, meu chegado. Cada garoto que vem no meu campo escapou da droga e está brincando. Descobri como perceber a vida. Tem muito nêgo que puxa carga nos ombros o dia inteiro e só quer encher a cara ou fumar um baseadinho e cair deitado em cima do papelão que recolheu. Olhei para os lados e para cima. Vi que valia a pena.
Hoje são vinte e seis meninos que batalham no campo do Pedro que virou José. Conheço Pedro há pouco tempo. Mas tenho certeza de que ele cresceu, ficou mais alto. Nobreza e dignidade não lhe faltam. E o queixo erguido aumenta a sensação de integridade. De homem de bem.
- Agora tenho até meu carro. Uma perua velha que chamo de "Jabi", Jabiraca. Quem diria! O catador de papel, meio perdido na vida, agora cuida de garotos no campinho e ainda dirige um carro. Se precisar, o braço ajuda, volto a puxar o carrinho e suar na coleta. Mas acordo todo dia com mais prazer.
Esse emocionante depoimento do Pedro trava na garganta quando a realidade bate na porta. O campinho, judiado pelo tempo, construído na marra e na força de vontade, cambaleou. Precisa de reforma. A ironia é que reúne a molecada em Itaquera. Mesma região onde se constrói o Itaquerão com o custo maior que um bilhão de reais. A ajeitada no campinho do Pedro precisa de quinze mil reais. “Trôco” diante do colosso que será usado na Copa do Mundo e nos jogos do Corínthians. Mas, sem dúvida, do campinho do Pedro sairão inúmeros vencedores. A quem ninguém poderá chamar de "Zé".
Na primeira etapa foi o cercado e o lugar para bater bola. Agora é recuperar o espaço de que as crianças gostam. E ter na memória que a região onde o Pedro levantou seu templo sofre com falta de transporte, de água, esgoto, posto de saúde e escola. Tem de sobra o empenho de gente séria que, ao mesmo tempo em que coleta o lixo, batalha por uma sociedade mais justa.
 * Paulo Roberto Leandro é jornalista, meu cunhado; há cerca de um mês o convidei a participar da minha vida profissional e conhecer a luta dos catadores. Com este texto inicio a campanha em busca de recursos para revitalizar o campinho do Pedro.
Delaine Romano - Cel. 11 83431919 - romano@netpoint.com.br



--
ANGELO IERVOLINO  9557-5935
11 9115-4053

"Não há nada mais difícil ou perigoso do que tomar a frente na introdução de uma mudança."-- Maquiavel

Nenhum comentário:

Postar um comentário