Delaine Romano
ANGELO IERVOLINO
Melhor que explicação é
execução
Paulo
Roberto Leandro*
Me sentia nada. Mergulhado nos
tropeços do destino. Podem acreditar. Errei em tudo. Andava meio solto, aos
trancos e atrás de barrancos. Até que um dia, aqui mesmo, tomei um chacoalhão.
Veio um cara , meio metido a besta, e falou grosso com a gente. Me lembro como
se fosse agora. Teve a coragem de dizer, assim sem mais, que todo mundo era
"Zé". Só seria José se fosse capaz de fazer coisa grande. Na hora, digo, me deu
vontade de dar uns trancos nele. Fiquei mordido. No caminho para casa me botei a
pensar. Zé o caramba. Nem é meu nome. Mas acho que aprendi alguma
coisa.
O Zé que não era José se chama Pedro. Pedro Mesquita, catador
de lixo na zona leste de São Paulo. Cerca de 1,75 m de altura. Magro mas de
braço forte como convém a quem dá duro todo dia. Sorriso expressivo mas dentes
maltratados. Sem qualquer dúvida,
impressionante.
Foi só abrir os olhos, no dia
seguinte, que decidi me meter numa empreita. Tanto moleque perdido nas ruas onde
trabalho. Porque não estender braço e mão como, em certo dia, a sorte fez por
mim?
Pedro fala com confiança. Daquelas de quem viu o capeta de frente e
venceu. Quando faz seu depoimento, diante de um público que não tem detalhes de
sua história pessoal, não hesita. Procura, às vezes, pela palavra. Mas não teme
o conteúdo que quer revelar com ela. Veste calça jeans, usada mas limpa,
sandálias do estilo franciscano, boné e muito limpo. No peito, uma camiseta
verde e amarela, daquelas que remetem à seleção. Pentacampeão é ele que se safou
de tantas.
Decidi. Tem que tirar a molecada
da rua, das drogas. Dane-se que é um terreno numa área que passa energia da
Eletropaulo. Só tem lixo aí mesmo. De lixo, entendo. É só limpar e montar um
campinho de futebol. Aí junta todo mundo.
Nem demorou muito. O campinho
do Pedro chegou a somar quase cinquenta garotos. Foi além da bola. Virou café,
lanche e brincadeira em grupo. Fim de semana não tem sossego. Perto das sete a
turma chega na porta da casa do Pedro e grita por ele. Só dá paz depois do café
e durante a pelada.
Agora sou José. Zé acabou. Parei
de me sentir feito burro, só olhando para a frente enquanto puxava
carroça. Passei a enxergar também dos lados. Para quem é como eu, meu chegado.
Cada garoto que vem no meu campo escapou da droga e está brincando. Descobri
como perceber a vida. Tem muito nêgo que puxa carga nos ombros o dia inteiro e
só quer encher a cara ou fumar um baseadinho e cair deitado em cima do papelão
que recolheu. Olhei para os lados e para cima. Vi que valia a
pena.
Hoje são vinte e seis meninos que batalham no campo do Pedro que
virou José. Conheço Pedro há pouco tempo. Mas tenho certeza de que ele cresceu,
ficou mais alto. Nobreza e dignidade não lhe faltam. E o queixo erguido aumenta
a sensação de integridade. De homem de bem.
- Agora tenho até meu
carro. Uma perua velha que chamo de "Jabi", Jabiraca. Quem diria! O catador de
papel, meio perdido na vida, agora cuida de garotos no campinho e ainda dirige
um carro. Se precisar, o braço ajuda, volto a puxar o carrinho e suar na coleta.
Mas acordo todo dia com mais prazer.
Esse emocionante depoimento do Pedro trava na garganta quando a
realidade bate na porta. O campinho, judiado pelo tempo, construído na marra e
na força de vontade, cambaleou. Precisa de reforma. A ironia é que reúne a
molecada em Itaquera. Mesma região onde se constrói o Itaquerão com o custo
maior que um bilhão de reais. A ajeitada no campinho do Pedro precisa de quinze
mil reais. “Trôco” diante do colosso que será usado na Copa do Mundo e nos jogos
do Corínthians. Mas, sem dúvida, do campinho do Pedro sairão inúmeros
vencedores. A quem ninguém poderá chamar de
"Zé".
Na primeira etapa foi o cercado e o lugar para bater bola. Agora é
recuperar o espaço de que as crianças gostam. E ter na memória que a região onde
o Pedro levantou seu templo sofre com falta de transporte, de água, esgoto,
posto de saúde e escola. Tem de sobra o empenho de gente séria que, ao mesmo
tempo em que coleta o lixo, batalha por uma sociedade mais
justa.
* Paulo Roberto
Leandro é jornalista, meu cunhado; há cerca de um mês o convidei a participar da
minha vida profissional e conhecer a luta dos catadores. Com este texto
inicio a campanha em busca de recursos para revitalizar o campinho do Pedro.
Delaine Romano -
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"Não há nada mais difícil ou perigoso do que
tomar a frente na introdução de uma mudança."-- Maquiavel